José Barrinha Cruz
«PORQUE
É QUE SE PEGAM TOIROS?»
«A
questão é colocada regularmente, de forma explicita ou implícita, e por gente
tão variada que vai do muito ao nada aficionada.
Compreende-se que não seja muito difícil
sentir-se simpatia por alguém que consegue colocar-se à frente de um toiro. Compreende-se que a
interrogações sobre as motivações que levam alguém a pegar toiros, paire na
mente das pessoas. Receio, no entanto, que as
respostas encontradas, surjam frequentemente relacionadas com a
necessidade de afirmação da valentia, coragem e virilidade próprios da
juventude. É uma análise simplista, que mistura sentimentos de admiração com
paternalismo, que reconhece no forcado a valentia do herói, e simultaneamente
lhe atribui um elevado grau de imaturidade. O próprio termo “amadorismo” é um
neologismo que caracteriza quem vive a Festa por prazer, por pura “afición”.
Talvez estas as justificações encontradas
para relegar sistematicamente os forcados para um plano secundário, no
respeitante aos direitos na Festa de Toiros em Portugal. Na verdade, não se
tem conseguido evitar que, no meio, os
forcados se sintam os parentes pobres da Festa, ou se quiserem, os seus mais
fortes sobreviventes.
Desde o Regulamento Tauromáquico, que
limita o tempo ou o número de tentativas
para se pegar cada toiro, ou que limita o número de forcados a fardar em cada
corrida, até à inacreditável insistência na manutenção das bandarilhas não quebráveis,
que muitos exemplos e testemunhos se poderiam apresentar. Vale-nos a nós,
forcados, a compreensão e solidariedade
de algumas personagens preponderantes nas corridas. Obviamente que é
situação que não nos pode satisfazer, será sempre preferível a reforma à frágil
sustentação do remendo. Os dois exemplos que apontei revelam desrespeito, por desconhecimento, do que verdadeiramente
move os forcados quanto ao Regulamento Tauromáquico, e quanto às bandarilhas seria bom que fosse suficiente os dois acidentes
fatais ocorridos nas duas últimas temporadas, para pôr definitivamente cobro a
essa situação. As bandarilhas, em Portugal, são responsáveis por grande parte
dos acidentes sofridos pelos forcados, em praça. No mundo tauromáquico somos o
único país que ainda não aderiu à
segurança das bandarilhas quebráveis. Quem
mais sofre são os forcados.
O paradoxo de tudo isto, é que apesar desta
ausência de voz activa e de direitos
elementares, o número de grupos de forcados tem vindo a aumentar. É um fenómeno
curioso, que tem a sua justificação na mística que os grupos de forcados vão
conseguindo criar. Pior instinto de
sobrevivência, ou não, os grupos de forcados encerram em si um ambiente
próprio, que os torna exclusivos e
extraordinários. A entrega generosa,
honesta e empenhada, consequentemente eficaz, em que a força da convicção dos
valores defendidos torna os grupos
sólidos na sua estrutura, advém
exactamente da mística própria de cada grupo com o qual os jovens se vão
identificando. É importante ver conhecer
que a efémera necessidade de afirmação de valentia e coragem, cede lugar à
amizade, ao forte sentido de grupo e à afición. Esta postura em que os forcados
insistem em provar que não é utopia, altera saudavelmente a vida de todos
aqueles que algum dia vestiram uma jaqueta. A mística transporta-se
naturalmente, também, para o cumprimento do dever em praça: todos os toiros são
para ser pegados, independentemente da
sua dificuldade. É um princípio importante, que embora não controlemos em absoluto.
Se torna ponto de honra em muitos grupos. Na verdade, o sentido de
responsabilidade dos forcados, pauta-se pelas mesmas obrigações que qualquer
outro toureiro, embora porventura com diferentes motivações: tourear com
verdade, entrega e técnica, no
intuito
de oferecer o melhor espectáculo possível ao público, dignificando
a corrida à portuguesa.
O mais antigo e um dos mais respeitados
empresários portugueses, Alfredo Ovelha, disse-me uma vez “os forcados deviam
assumir-se como cabeça de cartaz que são”! Conversávamos na altura sobre a
dificuldade crescente que os grupos sentem em ver satisfeito o pagamento de um
valor sensato por cada actuação, por forma a contribuir para fazer face às
despesas que têm. Pessoalmente, gostaria de conhecer um dia, o resultado de um inquérito credível que
se realizasse junto ao público que paga o seu bilhete, sobre qual a hierarquia
de popularidade dos diversos artistas
intervenientes numa corrida de toiros à portuguesa.
Em Portugal, o espectáculo tauromáquico está
em segundo lugar na adesão de público. A seguir ao futebol, continua a ser o
espectáculo que mobilize mais público. No entanto, o sentimento generalizado é
de alguma frustração. Todos sentimos algum vazio nas nossas praças, todos
sentimos que um maior número de corridas deveriam ser viáveis. Serve-nos o
exemplo espanhol para nos lembrar que quando assumirmos a corrida à portuguesa
como espectáculo nacional, como herança cultural importante, reveladora da
peculiaridade de um povo, o sucesso é
uma mera questão de tempo que a importância então atribuída à Festa necessitar
para alterar o que é preciso.
Como forcado, quero acreditar que, no
fundo, a interrogação sobre as razões que levam um forcado a pegar toiros,
deixe de fazer sentido ser colocada neste país».
- Texto do ex-forcado Vasco Morgado em Abril de 1999
1 comments:
Sem inquérito devo dizer que o Grupo de forcados são a minha primeira escolha, noto também que existem grupos a mais na festa, muitas vezes vemos coisas muito más nas nossas praças, por sorte não tem havido muitos acidentes graves.
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